16 junho 2006

O que faz um líder?

São tantos os modismos na área de administração que, para os incautos, pode parecer mais uma discussão sem relevância. Acredite, não é!

Muitas empresas têm suas atividades seriamente comprometidas pelo estilo gerencial dos seus responsáveis. Há casos em que um estilo de liderança pode levar uma empresa à ruína. Difícil acreditar? Veja o caso real de uma empresa da área de serviços.

Após alguns anos de funcionamento, a diretoria da empresa decidiu contratar um profissional para gerenciar as atividades administrativas. O currículo repleto de realizações, indicando muita experiência na área, parecia sinalizar, finalmente, para o fim da busca de um super-gerente que possibilitaria o desenvolvimento de outros projetos. Entretanto, não foi o que aconteceu.

Poucas semanas após a contratação, o gerente “elegeu” um pequeno grupo de empregados para servir de pessoas da sua confiança para acompanhar as mudanças que pretendia fazer na empresa. Como moeda de troca, beneficiou os protegidos com a manutenção de benefícios, em detrimento de grandes perdas por parte dos demais empregados.

Com o passar do tempo, a empresa foi perdendo os melhores colaboradores, alguns despedidos, outros que pediam para sair. Em qualquer dos dois casos, a postura do gerente era sempre a mesma: taxava-os de “incompetentes”.

Quando a diretoria se deu conta do que estava acontecendo, o espírito da equipe estava em baixa e, para a surpresa geral, afetando de sobremaneira as vendas! O que antes era um espaço de trabalho harmonioso e agradável passou a ser um meio repleto de intrigas, desconfiança e desrespeito.

A situação pode parecer surrealista, mas se trata de um caso que ilustra como se minar a auto-estima, a coesão e o espírito de equipe em uma empresa. O gestor de uma equipe não deve ser percebido como “feitor” ou “capataz”, como imaginavam os diretores da empresa acima descrita. A pergunta que fica é: qual a função do líder? Servir de animador de grupo? É bem muito mais que isso!

Cabe ao responsável por grupos interagir com todos os setores, independente de preferências pessoais! Sabemos que todos nós temos nossas limitações, mas uma habilidade que o gestor deve ter muito bem desenvolvida é a interpessoal, ou seja, a de relacionamento.

Quem já recrutou pessoas sabe o quanto é difícil a tarefa. Basear-se somente em um currículo “bem elaborado” é sem dúvida um equívoco. Contar com um profissional qualificado em recrutamento e seleção não é a realidade de boa parte das empresas Brasileiras, mesmo as de grande porte! Recrutamento é outra arte igualmente de raro domínio.

O empresário pode pensar que se trata, então, de uma “caixinha de surpresas” contratar bons profissionais para lhe auxiliar nos negócios. Somado à máxima popular que diz que o “o olho do dono é que engorda o negócio”, tem-se aí uma visão equivocada de que é perda de tempo e dinheiro procurar um profissional deste quilate.

Sim, exige-se habilidade, paciência e tempo – o que muitos empresários, certamente, não se permitem a ter, considerando a forte tendência ao imediatismo –, porém, vale a pena! Muito mais arriscado é pensar que, na condição de empresário, se pode se dar ao luxo de fazer tudo sozinho, sem a ajuda de ninguém. Aliás, teremos a oportunidade de abordar as funções e responsabilidades do empresário em outro momento.

Como “agenda” de trabalho, o líder tem como objetivo favorecer processos integrados. Em outras palavras, sempre agir buscando promover o interesse da coletividade, ampliando as fronteiras competitivas da empresa. Palavras bonitas? Bem, veja na prática algumas das atividades exigidas para um bom líder, com a devida explicação:

1) manter a coesão grupal

Mesmo os profissionais liberais, que teoricamente trabalham só, precisam do apoio de outras pessoas. A soma de habilidades possibilita o crescimento pessoal e profissional. O acirramento da competição entre as empresas – ao contrário do que se pensa – exige que o grupo esteja unido para enfrentar os desafios. A competição interna racha a empresa, gera problemas de relacionamento que, por sua vez, afetam a produtividade. O bom líder compreende que a chamada “pressão por resultados” é componente inevitável no mundo dos negócios, mas cabe a ele traduzir este stress em força construtiva.

2) desenvolver as habilidades individuais com foco nos resultados coletivos

A rentabilidade para a empresa é a meta. Desenvolver a capacidade inovadora dos membros da equipe, também! Aliás, é um engano acreditar que a criatividade anda na contramão da lucratividade. Pessoas com espaço e tempo para pensar (vamos deixar o imediatismo de lado!) ampliam a sua visão de mundo, trabalham mais satisfeitas e geram bons negócios para a empresa. Quando um só membro da equipe supera ou atinge os resultados projetados é uma experiência que deve ser percebida no contexto do grupo, ao contrário do que se imagina de que foi “mérito pessoal”. Lembra do tópico anterior? A competição entre funcionários para se atingir metas não é saudável para a empresa, pois a transforma num coliseu, sinalizando para uma vida curta mesmo para os “gladiadores” que sobreviverem aos leões...

3) servir como interlocutor entre os setores

O líder é um intermediário, seu papel é conduzir processos. Impor sua vontade a qualquer custo representa a incapacidade de compreender as suas próprias limitações. Ouvir o que cada colaborador tem a dizer enriquece o processo, apesar de levar tempo (olha novamente o inimigo curto prazo na pauta!). O líder deve compreender que a solução para um problema, certas vezes, não está no seu setor, mas em outras áreas, o que requer extrema habilidade em se abordar outras lideranças, evitando-se ferir a suscetibilidade, mas vamos explorar este tema no próximo ponto.

4) integrar processos

É confortável afirmar “isto não é comigo, não depende de mim”. O líder deve ter a percepção de processos mais amplos, interligando pessoas e departamento dentro da e fora da empresa. É crucial que o líder pense nas possíveis influencias do meio externo e de processos internos no desempenho da sua equipe. Por exemplo, acreditar que a motivação de pessoas depende somente de dinheiro no bolso ou que os problemas pessoais do funcionário devem ser deixados em casa, é reduzir a dimensão de humanidade do trabalhador. Trabalhar com pessoas é diferente de administrar robôs. Será que algum trabalhador tem plenas condições de trabalhar sem ter a possibilidade de errar? Se a empresa precisa trabalhar com “erro zero”, como diria Deming, jamais conseguirá um alto padrão de qualidade. Não quero dizer que errar sempre é desejável, mas “tolerância zero” só é cabível em programas humorísticos, não em empresas que levem a sério o compromisso com a excelência.

5) consolidar o pensamento do grupo

Nunca é demais afirmar: liderar é trabalhar em equipe, não se trata de “arrancar resultados de pessoas”, como se pensa comumente! Isto quer dizer que o líder precisa estar aberto a pensamentos contrários ao seu. É antiético se usar as pessoas para apoiarem suas idéias, ou ainda, apresentar falsas idéias do grupo. Uma outra função importante é validar as decisões coletivas em uma discussão.

6) eliminar barreiras de comunicação

O líder deve trabalhar pela fluidez da comunicação. É permitido e desejável que todos os membros da equipe se pronunciem, participem ativamente das atividades do grupo. Contudo, observe, não se trata de centralizar o processo de comunicação no líder. Eliminar barreiras significa possibilitar o acesso dos membros do grupo a todos os setores e níveis hierárquicos da empresa, inclusive a direção, sem que o líder manipule o processo.

7) estabelecer uma plataforma de confiança

Para que as pessoas acreditem no grupo e preciso acreditar, sobretudo, em si mesmas. No contexto da sociedade Brasileira, são muitas os motivos que levam as pessoas “confiar, mas desconfiando”. Quem entra de peito aberto numa relação? Claro, ninguém. E como se constrói, afinal, a confiança. Mais uma vez, o fator tempo é decisivo... Perceba que nada acontece da noite para o dia. Para que o líder tenha crédito, tem que passar por provas de fogo, demonstrar a equipe que ele(a) está comprometido em assessorar as pessoas, não servir de olheiro da diretoria...

8) dar apoio e compartilhar

Neste ponto é válido notar o papel do líder como tutor, ou seja, como um conselheiro que desenvolve habilidades dos liderados. Dar apoio difere de paternalismo, mas se relaciona a compreender as dificuldades e colaborar com os trabalhadores que enfrentam dificuldades para que se aperfeiçoem os processos. Em determinados, o líder tem a obrigação de orientar, não simplesmente de criticar com o intuito de desqualificar o desempenho do membro da equipe. É fundamental um senso de equilíbrio e serenidade para se comunicar ao membro a necessidade de rever o método de trabalho de forma a melhorar o desempenho. Não há fórmula nem receita para isso. Se o desempenho da equipe for prejudicado em função de resultados inferiores de um membro é necessário se repensar a participação daquele trabalhador no grupo. Será que ele teve a oportunidade de exercer a função plenamente? Foi devidamente orientado? Possui o perfil para a tarefa?

9) preparar sucessores

Em tempos de recessão e com escassas oportunidades de trabalho, este ponto com certeza é desmerecido por alguns líderes, mas acompanhado por grande interesse pelas chefias... O líder precisa ter em mente que entre os liderados devem surgir novos interlocutores, seus sucessores, portanto. O ciclo inovativo renova-se com a passagem de membros da equipe para funções de responsabilidade gerencial. E quanto ao antigo líder? O receio de perder o emprego, ser excluído da equipe, ou ainda a questão da vaidade pessoal de não estar mais em um cargo de liderança, são esperados. Todavia, não marcam o fim da contribuição deste profissional na organização, se atentar para o último, e não menos importante, aspecto.

10) implantar uma cultura empresarial propícia ao aprendizado

Aprender a aprender é a máxima dos tempos atuais. O aprendizado não depende do líder, ou de qualquer outra pessoa unicamente. A vontade de querer conhecer pode ser encorajada pelo líder. Milagres não existem, por certo. Se uma pessoa não quiser se desenvolver, ampliar os horizontes, pouco pode ser feito. O que vale registrar, por outro lado, que o aprendizado deve ser contínuo e não necessariamente linear, ligado a fatos relacionados ao ambiente de trabalho. Se o líder conseguir engendrar iniciativas que possibilitem a continuidade do crescimento do indivíduo, uma positiva transformação terá ocorrido na cultura da empresa. Sua contribuição continuará sendo bem-vinda, se o espaço de trabalho for propício ao crescimento profissional pelo mérito coletivo, pela ética e a inovação, independente da função ou cargo que ocupe.

O leitor deve estar se perguntando: e como fazer um líder? Onde encontrar este raro profissional com tantas habilidades de competência? Como diriam os orientais, um ambiente favorável ajuda (e muito) o surgimento de boas lideranças. Reitero que o líder, entretanto, não é um ser de outro mundo, com capacidade acima da média. Ele está sujeito a erros, a sentir medo, raiva, enfim, a todas as emoções. O maior equívoco da alta direção de uma empresa é compreender o trabalho deste profissional na linha da capatazia ou como mero administrador de “recursos” humanos.

Há vários estilos de liderança, sem que se possa dizer que um é melhor do que o outro, mas é fato, também, que cada pessoa, cada empresa é uma oportunidade para se aprender mais e desenvolver novas possibilidades!
Portanto, mãos a obra!

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