05 julho 2006

Desconfiança e insegurança


Um profissional da área de tecnologia certa ocasião devotou uma boa parte do seu tempo à versar sobre a prodigiosa natureza humana em tornar os processos organizacionais inseguros. Após intermináveis minutos, tentei quebrar o monólogo e iniciar o diálogo. Fugindo do mérito técnico, perguntei-lhe em quais das situações ele se sentia mais seguro: pagando um investigador particular para seguir a esposa ou comprando um cinto de castidade com chip? Pois é, a resposta dele foi a mesma que a sua! Uma sonora gargalhada!

O fato de se não confiar em pessoas e sistemas não é atributo de aumentar a segurança nos processos. O fato de se invadir as fronteiras da dignidade e da ética ao se adotar a revista pessoal no trabalho, por se desconfiar do funcionário, não implica em se aumentar a segurança. Vejamos um exemplo da vida empresarial.

Em um estabelecimento que comercializa miçangas são muitas as peças em estoque e que podem, facilmente, ser retiradas sem que o patrão perceba. Para isso, nada melhor que um rigoroso sistema de segurança, como diria o profissional que vende “soluções em segurança”, não? Equívoco, como explicam os empresários do setor: “o dinheiro que se vai gastar com a parafernália tecnológica não compensa”. Bom, mas ainda resta a (terrível) prática da revista pessoal!

A prática comum da revista pessoal – ainda em uso no segmento industrial – também não se aplica ao ramo das bijuterias, pois “tende a gerar um clima de desconfiança que nada contribui para se ampliar o negócio”, comentam os empresários.

Revistar uma pessoa é afirmar categoricamente, como diria Frederick Taylor, que todo trabalhador é vadio por natureza e que não se pode confiar jamais em uma equipe de trabalho sem se ter um capataz de plantão! A melhor prática, dizem os comerciantes do setor, é exercitar o adágio que defende que “uma mão aberta permite coletar grãos que caem do céu, mas a mão fechada, nada recolhe”.

Em outras palavras, duvidar não garante a segurança! Lembra do profissional de tecnologia do início do texto? Por certo, os anos de experiência no setor de serviços valeram-lhe para fortalecer o paradigma de que a melhor defesa é duvidar até da sombra! Na área em que ele atua, bem verdade, a questão de segurança é chave. Mas até que ponto? Novamente, passarei ao largo das discussões técnicas para trazer um outro caso real.

Um escritório de contabilidade, muito movimentado com o período de declarações de imposto de renda, queria impedir que o seu fluxo de informações vazasse. Em estado de alerta pelos dados manuseados, entre eles registros de empresários e políticos, o responsável pelo estabelecimento reservou uma sala somente para a guarda e manuseio de documentos dos clientes vips.

Um funcionário ficou incumbido de restringir a entrada de pessoas, chegando a impedir a entrada de qualquer tipo de maleta, dispositivo eletrônico, como celulares com câmera, entre outros objetos pessoais. “Parecia mais seguro que um presídio”, revelou um empregado do escritório. Mais que tentar vigiar os dados, o dono acreditou que a segurança era a essência do seu negócio!

Passados dois massacrantes meses de uma rígida vigilância, a rotina do escritório havia voltado quase à normalidade, não fosse o pedido de demissão de dois melhores contabilistas. Os profissionais, altamente qualificados e responsáveis por uma das áreas mais rentáveis para o escritório, não toleraram o clima de desconfiança e pediram para sair, mesmo não tendo nenhuma outra oferta de emprego. Nesta ótica, provavelmente a do consultor em soluções de segurança, a melhor ilustração seria “vão-se os dedos, ficam-se os anéis”... .

Esta é a verdadeira riqueza da sua empresa? É fato que no Brasil o capital intelectual é desvalorizado, por se dar pouquíssima importância ao indivíduo, bem como as fronteiras éticas. Com grande facilidade, se transgridem princípios morais em defesa do rápido ganho de dinheiro (que invariavelmente se perde, também, da mesma maneira).

A percepção da equipe de trabalho como um “bando de pessoas sem preparo” e, portanto, consideradas “descartáveis”, é uma visão equivocada que deve ser combatida. A profissionalização do controle gerencial pressupõe uma base de confiança para se corrigir problemas, sem, necessariamente, existir instrumentos de punição ou coação. Assim, a segurança operacional pode e deve transcorrer de forma a propiciar a identificação e correção de problemas com vistas à melhoria da competitividade, não com o intuito de se “caçar as bruxas”.

Mas como pensar em metas desafiadoras se os colaboradores são tratados como delinqüentes? Pergunto ainda: a quem você confia o sucesso da sua empresa? Aos aparatos tecnológicos que prometem aumentar a segurança da empresa?

Para os ditos “especialistas em soluções empresariais”, todas as vezes em que as boas idéias sucumbiram à falta de tempo, pessoas e recursos para prosperar é porque faltou um arsenal tecnológico para incrementar a segurança nos processos empresariais. Todavia, vou além: o sentimento de “estar seguro” tende a ser mais danoso do que a (pretensa) vulnerabilidade de perda do controle. O aspecto de segurança mais grave a ser resolvido é a falta de referenciais éticos e, principalmente, de confiança na equipe. Isto cabe no seu orçamento?

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